19 dezembro 2010

A Montanha Mágica - Thomas Mann

O que devo eu então dizer sobre o próprio livro (Montanha Mágica) e ainda por cima, como deve ser lido? O começo é uma exigência muito arrogante, a dizer que se deva lê-lo duas vezes. É claro que essa exigência é retirada imediatamente para o caso de que na primeira vez se tenha ficado entediado. A arte não deve ser nenhum trabalho escolar nem dificuldade, nenhuma ocupação contre coeur, mas sim deve alegrar, entreter e animar e aquele sobre o qual uma obra não exerce esse efeito então este deve deixar a obra de lado e voltar-se para outra. Mas quem chegou uma vez até o final com a “Montanha Mágica” então eu aconselho a lê-la mais uma vez, pois seu feitio particular, seu caráter como composição traz consigo que o prazer do leitor aumentará e se aprofundará da segunda vez, - como se deve já conhecer uma música para poder gozá-la de acordo.

Extracto de Conferência apresentada por Thomas Mann em Maio de 1939 aos estudantes da Universidade de Princeton

Desta feita a obra sobre que falarei é uma das referências do panorama literário mundial: A Montanha Mágica de Thomas Mann. Sem dúvida um dos livros mais marcantes que alguma vez li. Trata-se de um livro extenso,que poderá intimidar,desde logo, algum leitor mais comedido em empresas litrerárias; recheado de pérolas; um livro que, segundo o autor, merecerá uma segunda leitura. Uma obra, segundo doutas opiniões, iniciática; designada com o termo alemão Bildungsroman (romance de aprendizagem ou formação), o tipo de romance em que é exposto de forma pormenorizada o processo de desenvolvimento físico, moral ,psicológico,estético , social ou político de uma personagem, geralmente desde a sua infância ou adolescência até um estado de maior maturidade.

No caso essa personagem seria Hans Castorp, personagem principal do livro, que, terminada a sua formação académica, vai visitar o seu primo a um sanatório nos Alpes, durante três semanas, sem imaginar que essa estadia lhe iria marcar profundamente a sua vida.

Nessa estância, Hans vai conhecer várias pessoas que lhe transmitem múltiplas perspectivas sobre a vida e tudo o que a rodeia, o que vai modificando a pouco e pouco o interior deste homem; homem prático que, aos poucos, vai-se deixando enlear nas profundezas da sabedoria, angústias e paradoxos da humanidade; daí ver-se este romance como romance de iniciação. É fácil o leitor colocar-se no lugar de Hans Castorp e ir fazendo o seu percurso, aprendendo e, sobretudo, reflectindo sobre todas as temáticas que Mann aborda na obra.
O expoente do livro,e isso é ponto assente, são as dissertações e discussões de Settembrini e Naphta, dois "sábios" rezingões que defendem de forma extrema os seus ideais, centrados na "razão", no caso de Settembrini, e no "espírito", no caso de Naphta. A razão e o espírito travam, sob a magistral batuta de Mann, grandes batalhas, onde cada um deles procura puxar Castorp para a sua causa, não existindo, todavia, nunca um vencedor.

Outras personagens enigmáticas recheiam este romance: Peeperkorn, personagem que ofusca Settembrini e Naphta, com a sua percepção prática de apreciação das coisas boas e belas da vida; Behrens, com a sua visão pragmática e um tanto obscura sobre a doença, entrecortada por obcessões marginais sobre a arte, o belo, que é complementada pelo seu assistente, Krokowski, com conferências e estudos desconcertantes sobre o amor e a doença, e depois sobre o espiritismo e a sua relação com a material física.
Embora influenciado pelas múltiplas dissertações e discussões entre Settembrini e Naphta, existem muitos outros episódios e estágios no romance que influenciam Hans Castorp, sendo de destacar a visão da humanidade que ele tem num sonho durante uma tempestade de neve, sensivelmente a meio do livro.

A sua paixão por Claudia Chauchat, que tem ideais completamente opostos aos dele, as suas próprias experiências pessoais através da discussão do tempo, da arte, a assistência aos doentes terminais, a revelação da música, a estranha passagem pelo ocultismo, etc, tornam este romance uma amálgama de grandes momentos, que é difícil de se aferir o seu real valor com apenas uma leitura. Chegados ao fim do livro, facilmente concluímos que, apesar de algumas partes serem um pouco entediantes, afinal a obra perfaz um conjunto harmonioso e todas as partes têm a sua razão de ser, o que o torna apelativo a uma segunda leitura, não obstante as suas quase 816 páginas.

Certamente que A Montanha Mágica não terá sido o primeiro livro que li que marcou pelas variadas dissertações e discussões que apresenta, todavia dá, isso é indiscutível, o mote para nos lançarmos na reflexão sobre inúmeros assuntos que são, por Mann, abordados e magistralmente dissecados. Uma obra de leitura fundamental, eivada de humor e ironia, que acredito, e atendendo à época, daria um excelente presente natalício.

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