Prólogo – Uma Nota Pessoal
Atendendo ao endereço deste blog (Bom Senso e Bom Gosto), tendo em conta a vocação filosófica dos meus co-autores, e considerando que hoje – 11 de Setembro – conta-se 120 anos da morte de Antero de Quental sinto-me incitado a escrever sobre aquele que considero ser a figura mais luminosa do nosso pensamento filosófico (para já não falar do literário, político e cultural).
Com Anthero (como gosto de escrever) partilho a concepção do universo e da história, o socialismo ético e assumidamente utópico, o pessimismo e o drama da vida, a genética de um pensamento insular marcado por nostalgias antropológicas e psicológicas que nos impelem, a todo o momento, querer sair da ilha e voltar a ela.
Quem me conhece sabe o que Anthero representa na minha vida. Ele marcou profunda e indelevelmente, como nenhum outro, o que sou e no que me tornei. Sou filho de Anthero, tal como o sou de meu pai e de minha mãe. Talvez até mais…
Ao ler (ou reler) Anthero fico sempre com a noção da nossa tremenda pequenez: como povo e como indivíduos. Deixarei, pois, neste blog, a jeito de teimosia da sua memória, um conjunto de textos que propõem uma reflexão sobre “Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do Séc. XIX” com incursões pela sua poesia, ou não fosse Anthero “um poeta filósofo” (e não um filósofo poeta).
É um atrevimento, bem sei… Na verdade, o pudor e o medo de cair num certo pretensiosismo quase impediu que publicasse o que agora aqui trago. Mas o excesso de notícias sobre um outro 11 de Setembro e o ignorar completo dos 120 da morte do maior português de todos os tempos por parte dos media, impelem-me a arriscar na libertação de todos os complexos e, pelo menos aqui, não deixar que o esqueçamos.
As Tendências são, como se sabe, um Ensaio filosófico, publicado em 3 artigos na Revista Portuguesa, em 1890, como trabalhos preparatórios de uma obra final que Anthero, lamentavelmente, nunca chegou a produzir. Nesta obra Anthero aprecia a orientação das correntes de pensamento suas contemporâneas, como o hegelianismo e o positivismo, as quais, de um modo geral, à antiga concepção da realidade como emanação de um ser absoluto opõem a noção de uma realidade in fieri, um ser em potência, que se vai organizando teleologicamente, numa evolução progressiva, comum à história do Homem e à história do pensamento. Anthero contesta essas doutrinas, porquanto ignoram o papel da consciência individual, da força do espírito: "Uma ideia instintiva lateja surdamente, como uma pulsação de vida, nesse universo que a ciência mede e pesa, mas não explica: é a aspiração profunda de liberdade, que abala as molas estelares como agita cada uma das suas moléculas, que anima o protoplasma indeciso como dirige a vontade dos seres conscientes. É esse fim soberano, realizado em esferas cada vez mais largas, que torna efectiva a evolução das coisas."
I – Contexto e propósito de as “Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX”
Pressionado dum lado pelo progresso e avanço das ciências modernas, cujos enunciados e resultados alcançados não se prestavam a ser ignorados; pressionado, por outro lado, por toda uma inclinação metafísica revista nos sistemas do idealismo alemão, parecia a Anthero necessário conciliar estas tendências, aparentemente opostas e negando-se mutuamente. Ou bem que se encara o universo como algo mecânico e determinado por um conjunto de leis funcionais; ou bem que se encara o universo como algo espiritualizado, reflexo de uma realidade mais profunda que o fenómeno que se dá em matéria.
Ambas as concepções perdiam na sua exclusividade; optar por uma ou por outra deixava sempre algo de fundamental por explicar.
As ciências, descrevendo o mais possível o mundo fenoménico, esquecem o sentido geral e final desse mesmo mundo. Mais, ignoram ou pretendem esquecer esse fenómeno interno que não é explicado por nada que é a consciência humana.
Quanto às explicações filosóficas, especialmente as do idealismo alemão pós-Kantiano, deixavam por explicar a realidade física integrando-a num esquema rígido de desenvolvimento pré-estabelecido e espiritual, retirando dignidade às ciências positivas que, elas sim no terreno, poderiam melhor que ninguém explicar. Mas mais, a vida humana não se reduz nem se encadeia como um sistema metafísico, segundo rigorosas deduções lógicas; é mais complexa e viva do que isso.
Conciliar ambas as tendências antagónicas do desenvolvimento intelectual permitindo uma síntese – seria essa a aspiração fundamental de Anthero. Fzê-lo sem atraiçoar os princípios fundamentais de ambos os movimentos, seria o seu princípio. A ideia fundamental de todo o processo será a ideia de dinamismo físico, do outro dinamismo (na designação Antheriana: força). Assim, dum lado dinamismo físico, do outro dinamismo metafísico ou espiritual, sem deixarem de ser dois tipos de dinamismo diversos, poderão ainda concentrar-se?
A resposta será positiva e o processo desenrola-se de forma indutiva (secundando o processo científico de abordagem da natureza). Após definição da tarefa filosófica, na 1.ª parte das Tendências, e de apresentação das ideias vectoriais do pensamento moderno, segue-se o modo como quer as ciências quer a filosofia antecipam, por assim dizer, um acordo superior, uma conciliação de pontos de vista (não sem assinalar as incompletudes de cada uma). Finalmente, e na 3.ª parte, a apresentação do novo espiritualismo, solução de compromisso assinaladamente inspirada em Kant e na renovação do velho espiritualismo.
As influências do pensamento de Anthero são diversas e variadas. Leibniz, Kant, Hegel, Fchte, Hartman, para referir os principais, são alguns dos pensadores cujas linhas gerais de pensamento, quando não da terminologia, podemos de alguma forma rever nas Tendências. Todavia, o esforço desta obra ultrapassa o inventário das circunstâncias intelectuais em que ela se inscreve e filia, na medida em que responde a uma exigência muito humana de interpelação pelo sentido último do homem e do mundo.
O resultado “será, se assim se pode dizer, um espiritualismo idealista, enxertado, para florir e frutificar, no tronco robusto do materialismo. Superior à ciência como ideia e como critério, estará todavia na dependência da ciência, que só lhe fornece a matéria prima que tem de ser elaborada especulativamente(1)”
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Anthero de Quental, Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX, Editorial Presença, Lisboa, 1995, pág. 121.
Com Anthero (como gosto de escrever) partilho a concepção do universo e da história, o socialismo ético e assumidamente utópico, o pessimismo e o drama da vida, a genética de um pensamento insular marcado por nostalgias antropológicas e psicológicas que nos impelem, a todo o momento, querer sair da ilha e voltar a ela.
Quem me conhece sabe o que Anthero representa na minha vida. Ele marcou profunda e indelevelmente, como nenhum outro, o que sou e no que me tornei. Sou filho de Anthero, tal como o sou de meu pai e de minha mãe. Talvez até mais…
Ao ler (ou reler) Anthero fico sempre com a noção da nossa tremenda pequenez: como povo e como indivíduos. Deixarei, pois, neste blog, a jeito de teimosia da sua memória, um conjunto de textos que propõem uma reflexão sobre “Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do Séc. XIX” com incursões pela sua poesia, ou não fosse Anthero “um poeta filósofo” (e não um filósofo poeta).
É um atrevimento, bem sei… Na verdade, o pudor e o medo de cair num certo pretensiosismo quase impediu que publicasse o que agora aqui trago. Mas o excesso de notícias sobre um outro 11 de Setembro e o ignorar completo dos 120 da morte do maior português de todos os tempos por parte dos media, impelem-me a arriscar na libertação de todos os complexos e, pelo menos aqui, não deixar que o esqueçamos.
As Tendências são, como se sabe, um Ensaio filosófico, publicado em 3 artigos na Revista Portuguesa, em 1890, como trabalhos preparatórios de uma obra final que Anthero, lamentavelmente, nunca chegou a produzir. Nesta obra Anthero aprecia a orientação das correntes de pensamento suas contemporâneas, como o hegelianismo e o positivismo, as quais, de um modo geral, à antiga concepção da realidade como emanação de um ser absoluto opõem a noção de uma realidade in fieri, um ser em potência, que se vai organizando teleologicamente, numa evolução progressiva, comum à história do Homem e à história do pensamento. Anthero contesta essas doutrinas, porquanto ignoram o papel da consciência individual, da força do espírito: "Uma ideia instintiva lateja surdamente, como uma pulsação de vida, nesse universo que a ciência mede e pesa, mas não explica: é a aspiração profunda de liberdade, que abala as molas estelares como agita cada uma das suas moléculas, que anima o protoplasma indeciso como dirige a vontade dos seres conscientes. É esse fim soberano, realizado em esferas cada vez mais largas, que torna efectiva a evolução das coisas."
I – Contexto e propósito de as “Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX”
Pressionado dum lado pelo progresso e avanço das ciências modernas, cujos enunciados e resultados alcançados não se prestavam a ser ignorados; pressionado, por outro lado, por toda uma inclinação metafísica revista nos sistemas do idealismo alemão, parecia a Anthero necessário conciliar estas tendências, aparentemente opostas e negando-se mutuamente. Ou bem que se encara o universo como algo mecânico e determinado por um conjunto de leis funcionais; ou bem que se encara o universo como algo espiritualizado, reflexo de uma realidade mais profunda que o fenómeno que se dá em matéria.
Ambas as concepções perdiam na sua exclusividade; optar por uma ou por outra deixava sempre algo de fundamental por explicar.
As ciências, descrevendo o mais possível o mundo fenoménico, esquecem o sentido geral e final desse mesmo mundo. Mais, ignoram ou pretendem esquecer esse fenómeno interno que não é explicado por nada que é a consciência humana.
Quanto às explicações filosóficas, especialmente as do idealismo alemão pós-Kantiano, deixavam por explicar a realidade física integrando-a num esquema rígido de desenvolvimento pré-estabelecido e espiritual, retirando dignidade às ciências positivas que, elas sim no terreno, poderiam melhor que ninguém explicar. Mas mais, a vida humana não se reduz nem se encadeia como um sistema metafísico, segundo rigorosas deduções lógicas; é mais complexa e viva do que isso.
Conciliar ambas as tendências antagónicas do desenvolvimento intelectual permitindo uma síntese – seria essa a aspiração fundamental de Anthero. Fzê-lo sem atraiçoar os princípios fundamentais de ambos os movimentos, seria o seu princípio. A ideia fundamental de todo o processo será a ideia de dinamismo físico, do outro dinamismo (na designação Antheriana: força). Assim, dum lado dinamismo físico, do outro dinamismo metafísico ou espiritual, sem deixarem de ser dois tipos de dinamismo diversos, poderão ainda concentrar-se?
A resposta será positiva e o processo desenrola-se de forma indutiva (secundando o processo científico de abordagem da natureza). Após definição da tarefa filosófica, na 1.ª parte das Tendências, e de apresentação das ideias vectoriais do pensamento moderno, segue-se o modo como quer as ciências quer a filosofia antecipam, por assim dizer, um acordo superior, uma conciliação de pontos de vista (não sem assinalar as incompletudes de cada uma). Finalmente, e na 3.ª parte, a apresentação do novo espiritualismo, solução de compromisso assinaladamente inspirada em Kant e na renovação do velho espiritualismo.
As influências do pensamento de Anthero são diversas e variadas. Leibniz, Kant, Hegel, Fchte, Hartman, para referir os principais, são alguns dos pensadores cujas linhas gerais de pensamento, quando não da terminologia, podemos de alguma forma rever nas Tendências. Todavia, o esforço desta obra ultrapassa o inventário das circunstâncias intelectuais em que ela se inscreve e filia, na medida em que responde a uma exigência muito humana de interpelação pelo sentido último do homem e do mundo.
O resultado “será, se assim se pode dizer, um espiritualismo idealista, enxertado, para florir e frutificar, no tronco robusto do materialismo. Superior à ciência como ideia e como critério, estará todavia na dependência da ciência, que só lhe fornece a matéria prima que tem de ser elaborada especulativamente(1)”
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Anthero de Quental, Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX, Editorial Presença, Lisboa, 1995, pág. 121.
3 comentários:
Um texto belíssimo, que só poderia ser escrito por uma alma iluminada e discípula de Anthero! Parabéns, parabéns!
Queria saber uma coisa, este texto foi retirado das "Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX"?
Não. Este texto é o primeiro "capítulo" de reflexão nossa sobre a obra.
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